Na língua da maré apresentado na Nazaré

Apresentação do livro “Na língua da maré” de Abel Coentrão e Helder Luís, com João Delgado e Célia Quico, na 48° Feira do Livro da Nazaré

“Na Língua da Maré, Crónicas de mar e mareantes“ foi produzido e publicado em 2022 para assinalar os 80 anos da Mútua dos Pescadores. Um livro muito bem pensado, muito bem produzido, muito bom de se ver e de se tocar: 

– com belos textos, fotos maravilhosas e com um design irrepreensível.

Os responsáveis da Mútua dos Pescadores colocaram como objectivos desta publicação contribuir para “uma melhor compreensão do peso simbólico, económico, social e político do sector marítimo em Portugal” e também a valorização das “vidas das pessoas e das comunidades que são” – e cito – “a razão de ser desta cooperativa de utentes de seguros”. E na minha perspectiva, de humilde leitora, estes objectivos foram plenamente cumpridos – até mesmo em muito superados.

O livro leva-nos numa viagem ao longo da costa portuguesa, com paragens em terras-mar como Caxinas, Vila Chã, Afurada, Peniche, Praia da Vieira, Nazaré, Câmara de Lobos, Caniçal, Ponta Delgada, Rabo de Peixe, Fonte da Telha, Sines, Sagres, Quarteira, Santa Luzia, Olhão, Culatra, sempre reflectindo sobre a sustentabilidade ambiental, social e económica destas comunidades marítimas de Portugal.

Os autores apresentam-nos a mulheres e homens do mar, como Eugénia Cardoso de Peniche, Sandra Lázaro do Sado, Maria de Lurdes Baptista de Vila Franca do Campo em São Miguel, José Serrão do Caniçal na Madeira, Manuel Vieira Moniz de Rabo de Peixe em São Miguel, Trajano Martins de Sagres, entre outros…

Assim, os autores dão a conhecer pescadores e pescadoras, mas também outras profissões do mar, em particular as novas profissões, como as que estão associadas ao cultivo e transformação de algas para alimentação humana, à observação de cetáceos, à captura e criação de tubarões para grandes aquários, entre outros… 

A páginas tantas (mais exactamente, na página 17), lemos o seguinte:

“o pescador precisa de trabalhar mais com a cabeça e menos com a força dos braços” 

– disse Jerónimo Viana das Caxinas.

Julgo que esta é uma das frases-chave deste livro.

E aqui já encontramos algumas respostas a este desafio.

Vejam o exemplo dos apanhadores de percebes das Berlengas e da Co-Pesca, que levam a cabo “um mecanismo de decisão partilhada, controlo e acompanhamento das capturas”, como escreve Abel Coentrão, tendo em vista a “sustentabilidade da espécie e de quem dela vive”.

Ou o exemplo dos armadores de Sesimbra e da Artesenal Pesca, uma cooperativa que valoriza as pescarias dos seus cooperadores, possuindo uma fábrica de filetagem e congelação de peixe, algo único no contexto português, escreve Abel Coentrão.

E ainda o exemplo vindo dos Açores, ilustrado por Paulo Silva, que criou a empresa Há Mar para organizar passeios e sessões de pesca turística, mantendo a sua actividade profissional de pesca, desta forma diversificando as suas fontes de rendimento e também contribuindo para a economia local.

Uma nota final: quando estava a ler este livro em Junho passado, por coincidência também estava a ler outro livro de crónicas de mar e mareantes: “Os Pescadores” do Raúl Brandão, publicado em 1923. E se é possível – e quase inevitável – identificar semelhanças do livro de Raúl Brandão com este de Abel Coentrão e Helder Luís, também é possível – julgo que desejável – assinalar as diferenças. Se Raúl Brandão como que pinta grandes panorâmicas, grandes paisagens marítimas, por vezes se aproximando dos homens e mulheres do mar, mas mantendo uma certa distância, de certa forma reduzindo as pessoas a figuras-tipo ou a figurantes de um épico possível num pais periférico e pobre …

No caso de Abel Coentrão e Helder Luís temos outro tipo de perspectiva, com maior proximidade, mas não esquecendo a devida contextualização histórica e sócio-económica. Aqui temos grandes panorâmicas, mas também planos médios, planos aproximados e até muito aproximados – verdadeiros close-ups, retratos próximos de homens e mulheres do mar. Esta proximidade – até mesmo esta profunda empatia com os mareantes – é das marcas fortes deste livro, que nos inspira a descobrir ou redescobrir o nosso país e as nossas gentes, com o mar, sempre com o mar… 

Célia Quico