Sleeping Giants

“As árvores são santuários. Quem souber como falar com elas, quem souber como escutá-las, poderá aprender a verdade. Elas não pregam erudição ou fórmulas, elas pregam, sem se perderem em detalhes, a ancestral lei da vida.”

Hermann Hesse

“Sleeping Giants” (Gigantes Adormecidos) fotografado na sua maioria durante o confinamento pandémico de 2021 em Portugal, foi a minha resposta à paisagem desoladora da cidade e ao silêncio que experienciei durante os meus passeios noturnos. Nessa altura, caminhava entre uma a duas horas, todos os dias, à noite, e, depois de algum tempo em busca de alguma sabedoria ou orientação, encontrei as árvores.
No início, os meus passeios situavam-se sobretudo à beira-mar, em boa parte devido à ligação ao trabalho de fotografia documental em que estou envolvido, mas um dia decidi aventurar-me pelas ruas vazias da cidade. Nessa altura não havia um único ser humano à vista e os poucos seres vivos ao meu redor eram as árvores. Então comecei a contemplá-las, a observá-las detalhadamente e, eventualmente, a fotografá-las.
O título é uma referência às árvores como gigantes. Não como as gigantescas Sequoias, mas, ainda assim, como enormes seres vivos, muito maiores do que nós e que experienciam a vida numa escala de tempo completamente diferente da nossa. Talvez devido a isso os percecionamos como sábios.
Seres adormecidos porque fotografei no inverno, altura em que a maioria das árvores já perdeu as suas folhas e, também, porque, durante a noite, mesmo as que guardam as folhas, depois de um longo dia de fotossíntese, relaxam os ramos e entram num estado que, na sua maior parte, se assemelha ao nosso padrão de sono. No entanto, no inverno a maioria hiberna.

Muito tempo deve ter passado até o ser humano ter adquirido estatura mental suficiente para admirar uma árvore em toda a sua glória, com a sua folhagem completa, mas muito mais tempo foi certamente necessário até a alma humana se ter entregado à incrível beleza dos ramos nus de uma árvore.
Há algo no esplendor esquelético das árvores, no inverno, tão vascular, tão axonal, tão pulmonar que nos leva a admirá-las e a respeitá-las em todo o seu esplendor fractal.
No inverno somos levados a pensar nas árvores como criaturas frias, nuas e até sombrias. Pedimos-lhes que esperem até estarem novamente vestidas de verde para lhes voltarmos a prestar atenção. No entanto, é durante esse tempo de descanso, no inverno, que a árvore se ergue, disponível e vulnerável, para nos revelar todos os seus segredos. É, de facto, durante este período que a árvore mais revela a sua individualidade e resiliência.
O verão é o período em que a árvore está menos disponível. Atarefada por trás do seu misterioso véu verde, a árvore está tão assoberbada com os seus processos de manutenção e de crescimento que não tem tempo para confidências e só de vez em quando nos faz uma saudação amigável.

Cada chuva que cai, cada mudança de temperatura que ocorre, cada vento que sopra deixa um registo da sua passagem nos anéis das árvores. Uma marca codificada sobre o passado, tão precioso como os nossos livros e dados digitais. Impercetível para nós, no entanto, não menos permanente e talvez até mais duradouro do que a nossa própria tecnologia digital.
É difícil para nós, seres humanos, presos ao pequeno talhão de espaço-tempo que nos foi atribuído, sem termos escolhido onde ou quando nascer e destinados a viver não mais do que uma fração de segundo do tempo evolutivo, entendermos o tempo numa escala para além da nossa existência individual. Nesse aspeto, as árvores podem ser os nosso guias, pois remedeiam a nossa perda de perspetiva como gigantes telescópios apontados para o passado e como portais para um possível futuro. E, ainda, como veículos para a nossa imortalidade, quando deixarmos de respirar e nos tornarmos composto para futuras florestas.
Como reflexão, trazida à consciência por este trabalho, e em tempos tão desafiadores como estes, facilmente chegamos à conclusão de que somos nós, de facto, os gigantes adormecidos. Prontos a acordar de um longo sonho de inconsciência, para nos tornarmos os seres incríveis que estamos destinados a ser. Temos de aprender a viver neste planeta como um só e não agir como uma espécie superior, que pouco mais faz do que um péssimo trabalho a cuidar de si e deste incrível jardim.
Espero que um dia, ao colocarmo-nos nos ombros destes gigantes, possamos ver para além dos nossos egos e perceber quanta beleza existe à nossa volta e em nós mesmos. Basta pararmos para ouvir o silêncio ecoado por estes seres incríveis.

Entrada da exposição na Biblioteca Rocha Peixoto, Póvoa de Varzim ©2023 Helder Luís
Fotografia 70x50cm ©2023 Helder Luís
Fotografia 70x50cm ©2023 Helder Luís