Sardinha

Durante quatro anos, no âmbito de uma residência artística na Póvoa de Varzim, percorri o mar português a bordo de várias embarcações, a partir de quase todos os portos de pesca do país, acompanhando a vida no mar de muitas tripulações. Uma viagem sem guião, que coloca em evidência a dimensão nacional da pesca da sardinha, a pesca das pescas do mar português, mas também uma saga humana pouco mais do que invisível, a não ser quando há notícia de naufrágios ou quando se reabrem os debates sobre a escassez do recurso. Lançado em Fevereiro de 2023, este livro procura documentar e homenagear as artes e os homens da pesca da sardinha.

Um registo no limite do tempo

O que iria ser um livro sobre a pesca da sardinha, acabou por se tornar num estudo sobre a pesca do cerco; o que se iria centrar na Póvoa de Varzim, Vila do Conde e Matosinhos, acabou por se estender a todo o país….

Durante quatro anos (2018–2022), a partir de embarcações sediadas no norte do país, percorreu o mar português a bordo de vários de barcos, a partir de quase todos os portos, acompanhando a vida no mar de muitas tripulações, com atenção à dimensão holística do fenómeno das pescas e aos grandes debates atuais sobre a sustentabilidade da vida marinha. 

Portos, lotas, armazéns, linhas de costa, mares e amuradas de embarcações, foram os pontos de escala desta viagem sem guião, que coloca em evidência a dimensão nacional da pesca da sardinha e a natureza móvel dos seus fatores de produção. Este é, aliás, um registo no limite do tempo. Num tempo em que a literacia dos oceanos se mostra mais indispensável do que nunca para travar os impactos sobre o planeta, é urgente pensar um futuro baseado numa nova economia do mar. E renovar o olhar sobre a pesca do cerco, que é, como sempre foi, uma luta entre a sobrevivência de uma espécie e a subsistência da outra.

O livro conta com os contributos científicos de Álvaro Garrido, professor catedrático e diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, e de Diana Feijó, técnica do Instituto Português do Mar e da Atmosfera, a par das ilustrações científicas de Pedro Salgado, biólogo.

Ficar em terra não é opção

Os pescadores do cerco vão para onde o peixe vai. Idealmente, haverá sardinha perto de casa e, na sua maioria, os barcos vão para o mar à noite e voltam ao romper da manhã. O breve regresso a casa faz-se depois de descarregado e vendido o peixe e de munido o barco com combustível e gelo para o dia seguinte. Quando assim não é, os pescadores migram atrás do peixe, perseguindo-o pelo país fora, por vezes optando por não ter um porto fixo, durante meses longe de casa. A pesca do cerco é mesmo assim, longe do lar, nos barcos-casa, quase sem parar.

Mas o trabalho do cerco não acontece apenas no mar. Em terra, há muito trabalho feito antes, durante e depois da pesca propriamente dita, ao nível da gestão, abastecimento dos barcos, pequenas e grandes reparações nas redes ou mesmo avarias mecânicas. O cerco é também tempo do defeso, o período do ano em que os barcos não estão autorizados a pescar. Altura de recuperar com atenção as embarcações e as redes, elemento precioso. Um trabalho sempre de equipa e de camaradagem entre todos. Os pescadores do cerco não gostam de estar parados: um barco em terra deteriora-se; perde-se o ritmo e, sobretudo, o sustento. 

Alguns detalhes de uma história que se procura traçar ao longo deste livro, cruzando o lado documental e artístico da fotografia, com informação técnica e didática sobre o tema. Parte de um universo de cerca de 20.000 imagens registadas ao longo de 4 anos, para apresentar a seleção que estabelece a narrativa principal, complementada com infografias e ilustrações científicas, procurando documentar e visualizar a complexidade desta arte de pesca. São apresentados enquadramentos históricos, entrevistas e notas biográficas de alguns pescadores, conteúdos sobre as técnicas de pesca, as espécies de peixe, os tipos de embarcações ou a construção naval. 

Sardinha, o sem fim da pesca do cerco foi apresentado na Póvoa de Varzim, primeiro no âmbito do Correntes d’Escritas, a 18 de fevereiro, no Cine-Teatro Garrett, e depois numa cerimónia oficial, a 25 de fevereiro, no Diana Bar, um evento que contou com a presença das edilidades, dos autores e dos contribuidores, bem como de muitos dos pescadores, armadores e tripulações que ajudaram a contar esta histórica, num momento que se tornou assim também numa celebração. O livro está a ser apresentado, em jeito de itinerância, pelas cidades costeiras de Viana do Castelo, Vila do Conde, Matosinhos, Afurada, Figueira da Foz, Ílhavo, Peniche, Sines, Portimão, entre outras.

O livro

“A pesca da sardinha é uma saga humana pouco mais do que invisível. Ocultada pelo imaginário épico que costumamos associar às pescas longínquas no Atlântico Norte e no Atlântico Sul ( bacalhau e pescada), a sardinha só é objeto de lembrança quando, ciclicamente, há notícia de naufrágios e vidas perdidas no mar, ou quando se reabrem debates efémeros em torno da escassez do recurso”.

Álvaro Garrido (Professor catedrático e diretor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra)

“Um projeto que parecia estar mais circunscrito acabou por ganhar outros horizontes, pois levou-me a visitar e a embarcar na maior parte dos portos de pesca. Essa abertura deu-me uma visão global sobre a pesca do cerco e sobre as diferenças entre a forma de trabalhar dos pescadores do norte e os do resto do país. […] Para fotografar consistentemente uma atividade tão complexa como esta, com tantas variáveis e imprevistos, é necessário estar disposto a suportar as mesmas condições a que os pescadores estão expostos diariamente. Só assim se percebe a dureza da pesca. […] A recompensa (para quem pesca e para quem fotografa) chega nos dias bons, em que se pesca o suficiente para encher o próprio barco, os da família e os dos colegas”.

Hélder Luís

O projeto Sardinha foi apresentado pela primeira vez no Dina Bar, a biblioteca de praia da Póvoa de Varzim, em 27 de Julho de 2023.

Este projeto faz parte da residência artística MARPVZ19/20 apoiada pelo Município da Póvoa de Varzim. Nesta residência, foram desenvolvidos vários projetos de conteúdo documental e artístico relacionados com a cultura marítima, que resultaram em livros, exposições, instalações, espectáculos e outros eventos paralelos.

+ Informações: www.marpvz.pt