Rumo à Pesca

Prototype book video, 2019

Este projeto, iniciado em 2019, foi inicialmente desenvolvido como um livro para o projeto final do meu mestrado em fotografia documental.
O livro está programado para ser finalmente publicado em 2024 depois de o protótipo ter repousado algum tempo na minha estante, principalmente por causa da pandemia, mas também por outros projetos que também foram adiados e precisavam de ser concluídos e impressos o mais rápido possível. Notavelmente, o livro Sardinha, que era um projeto muito extenso e que exigiu toda a minha atenção e tempo até o final de 2022.
Para já não existe a intenção de adicionar novo conteúdo fotográfico, mas algumas alterações serão feitas tirando partido do tempo disponível para analisar este projeto a partir de um outro ponto de vista.

Este livro completa e complementa o livro Sardinha, editado em 2023, em parte porque esse livro abarca a pesca do cerco como um todo e acaba por não conseguir dar a devida atenção ao acto da pesca em si. Já este livre foca-se quase em absoluto no acto da pesca e faz-lo com muito mais imagens do que era possível com o livro de Sardinha.
Este livro é também uma semente para futuros projetos, dedicados a barcos individuais… mundos contidos em si, à deriva no oceano. Embora o livro Atlântico se tivesse focado no Íris do Mar, um barco de pesca dos Açores, o livro assumiu com missão o trabalho de documentar outros aspectos menos tangíveis e, no final, superou esse objetivo de documentar apenas um barco em particular.

Prototype book pages, 2019

O “Rumo à Pesca” não foi o barco mais perigoso em que embarquei, mas pertence a uma categoria de barcos que apresentam uma série de riscos para o fotógrafo. Escolhi este barco por pertencer a uma classe de barcos (traineiras construídas em madeira) que mais dificuldades e desafios colocam ao fotografo neste contexto.

Para além de terem poucas condições de habitabilidade e conforto a bordo, são barcos que devido às suas características físicas, inerentes à sua construção, oscilam bastante mesmo com o mar calmo, potenciando estados de enjoo e desequilíbrio durante o trabalho. Além disso, tornam-se perigosos porque normalmente não estão equipados com proteções suficientes que impeçam uma queda involuntária ao mar. As dornas (contentores isotérmicos aonde se armazena o peixe) amontoadas junto aos corrimões do barco, são a principal causa.

Helder Luís
Prototype book pages, 2019

De acordo com Álvaro Garrido (Crespo, 2018), a pesca da sardinha é uma saga humana quase invisível, ocultada pelo imaginário épico que associamos às pescas longínquas do bacalhau ou da pescada. Apenas nos lembramos da pesca da sardinha quando, pontualmente, ouvimos notícias de naufrágios, ou quando ano após ano se volta a falar da escassez e do preço elevado da sardinha por altura das festas dos santos populares. 

Por ser uma pesca costeira, temos a impressão de que o trabalho e a vida desses homens são menos cruéis comparados com o dos homens da grande pesca ou dos tempos épicos do mar português. São inúmeros os testemunhos literários, fotográficos, cinematográficos e artísticos, nomeadamente as criações sobre as pescas do bacalhau, do atum e da baleia. No entanto pouco ou nada se fala da pesca da sardinha. 

Esta é uma realidade muito mais oculta, antiépica, mas nem por isso menos dramática e profundamente humana. Mesmo nos dias de hoje em que os aladores mecânicos substituíram os braços e os sonares, por sua vez, substituíram os olhos treinados e a intuição dos pescadores de outros tempos, a pesca da sardinha continua a ser uma pesca que envolve tripulações numerosas e um grande esforço humano.

Este é um registo no limite do tempo quando percebemos que poderá estar para breve a suspensão total da pesca sardinha, devido à rutura há muito anunciada dos stocks, e a consequente incerteza do futuro dos pescadores. Uma luta entre a sobrevivência de uma espécie e a subsistência da outra.

Este livro é também o resultado do meu interesse pelos fotolivros, onde a fotografia revela o seu verdadeiro potencial narrativo. De acordo com Gerry Badger, fotógrafo e crítico de fotografia, num artigo traduzido e publicado pela revista Zum (Badger, 2015), define o foto-livro como “…um tipo particular de livro fotográfico, em que as imagens predominam sobre o texto e em que o trabalho conjunto do fotógrafo, do editor e do designer gráfico contribui para a construção de uma narrativa visual…”.

É também resultado da minha experiência pessoal e profissional como designer gráfico e editor que me permite abordar um projeto destes de uma forma mais profunda.

O livro apresenta uma narrativa visual assente em duas viagens distintas e separadas pelo tempo. Realizadas em setembro de 2020, tentam documentar no seu conjunto, a vida e o trabalho destas pessoas. O seu trabalho, o seu meio ambiente, a sua residência temporária: o barco. Para quem anda ao mar sabe que os seus colegas são também família, a família do mar, do barco. 

Nestas duas viagens tento mostrar as várias etapas de um trabalho que é mecânico e repetitivo. 

Não podemos dizer que seja monótono porque os elementos (naturais) encarregam-se de introduzir um número assustador de variáveis que transformam por vezes a mais simples tarefa a bordo de um barco num desafio complexo e perigoso. O mar, ou melhor, o seu estado e temperamento, é a maior variável de todas, com o vento, a chuva e o frio a trabalham em conjunto como fatores adversos à pesca e à manutenção de qualquer atividade humana no mar. 

Hoje em dia, é raro encontrar um barco de pesca costeira no mar em condições perigosas e não aconselháveis à pesca ou à navegação. Hoje, as previsões meteorológicas e a estabilidade financeira dos proprietários das embarcações afastam os barcos dos riscos desnecessários, que antes devido à fome e à falta de segurança tornavam o mar junto à costa norte um autêntico cemitério. As duas viagens foram complementadas posteriormente com alguns encontros, entre setembro e novembro do mesmo ano, com o barco e a tripulação à chegada e à partida do porto de pesca de Matosinhos e um último encontro no final em novembro quando o barco terminou a época de 2020 e voltou ao porto de pesca da Póvoa de Varzim.

Páginas do livro (protótipo), 2019

Durante a viagem a noite induz-nos num estado de recolha. A inexistência de luz a bordo (até se começar a pescar) faz com que haja pouco a fazer em termos fotográficos. Nesse espaço de tempo pensa-se mais, reflete-se na vida e no porquê de nos sujeitarmos a algo tão agressivo e repulsivo. Somos lembrados constantemente que o nosso lugar não é ali no mar. Somos apenas visitantes com um visto temporário.

Páginas do livro (protótipo), 2019