Este projeto autoral e editorial representa o meu olhar sobre a atividade do Rumo à Pesca, e sobre os homens que nele trabalham e que dele dependem. Fui guiado pela vontade de revelar, através das fotografias, momentos únicos de quem habita este pedaço de madeira cheio de vida. Por isso, estes registos visuais documentam momentos de trabalho, sentimentos e experiências partilhadas entre o homem e o mar. A narrativa principal do livro baseia-se essencialmente nas duas viagens realizadas em setembro de 2020, complementada no início por um conjunto de fotografias registadas entre 2018 e 2019 e no final por fotografias de um dos últimos encontros com a tripulação, em novembro desse mesmo ano. Estes momentos foram fundamentais para captar a essência do trabalho e o ambiente a bordo e a dinâmica entre os membros da tripulação, que constituem uma segunda família, unida pelo trabalho. Neste projeto, o barco e as pessoas geraram um ambiente único e propício, que me permitiu explorar novas formas de documentar a pesca do cerco e aventurar-me por outras opções estéticas.
As fotografias que registei resultam da combinação de vários elementos que se conjugaram de modo sugestivo. Desde o início do meu envolvimento neste tema, percebi que alguns barcos, depois de uma primeira viagem, se destacavam mais do que outros em termos do resultado do meu trabalho fotográfico. A interação entre as diversas cores dos barcos, o vestuário dos pescadores, a cor das dornas (contentores usados para armazenar o peixe), e até o tipo de iluminação artificial, juntamente com as dimensões e configurações espaciais de cada barco, contribuíam para a criação de fotografias mais ou menos distintas e impactantes.
As fotografias, captadas maioritariamente em 2020, documentam um fragmento da história do Rumo à Pesca. Passados quatro anos, o barco mantém-se o mesmo, apesar de várias visitas ao estaleiro. As alterações mais significativas terão ocorrido ao nível da tripulação. Alguns pescadores reformaram-se ou mudaram-se para outras embarcações. Novos pescadores integram agora a tripulação do Rumo à Pesca. Esta é uma realidade expectável na vida de um barco com 45 anos. Dezenas de homens fizeram parte do Rumo à Pesca, alguns dedicaram a maior parte das suas vidas a este barco e estão eternizados na memória coletiva impressa em cada tábua.
A inexistência de uma clara separação entre as duas viagens sublinha a continuidade e a rotina na vida destes homens. O que inicialmente pode parecer um feito heroico ou arriscado, com o tempo e a repetição, torna-se, para estes homens, apenas mais um dia de trabalho. No entanto, o mar, com a sua imprevisibilidade, recorda-nos que nem todos os dias são propícios à pesca e nesses dias o nosso lugar é definitivamente em terra.
A abertura do livro é assinalada por uma fotografia do Rumo à Pesca envolto num denso nevoeiro, em julho de 2018, momento em que o avistei pela primeira vez, ao regressar a Matosinhos a bordo do Virgem Santíssima. Esse primeiro encontro com o Rumo à Pesca, enquanto recolhia material para a instalação MAR, marcou o início da minha imersão na pesca do cerco.
A narrativa prossegue com um registo no porto de pesca da Póvoa de Varzim, em meados de setembro de 2019, momento em que me aproximei pela primeira vez da tripulação, ocupada a trocar de rede no cais. Esta cena serve de prelúdio às duas viagens que realizei a bordo do Rumo à Pesca, no final de setembro de 2020.
Na primeira viagem, o barco partiu de Matosinhos pouco antes da meia-noite, navegou para sul e, após cercar um cardume de biqueirão, transferiu o peixe para outro barco da família porque já tinha ultrapassado a cota semanal deste peixe. Na segunda tentativa, cercou com sucesso um cardume de sardinha, voltando para terra por volta das nove e meia da manhã. Na segunda viagem, motivada por um avistamento de sardinha no dia anterior na zona de Aveiro, o barco partiu ao final da tarde, por volta das seis horas do porto de Matosinhos e dirigiu-se para Sul. Largou a rede, uma vez a oeste de Aveiro e voltou a Matosinhos por volta das três da manhã.
Entre essas viagens, captei uma imagem do barco no porto de Matosinhos, simbolizando a expectativa da minha próxima viagem, que se realizaria apenas oito dias depois.
As viagens revelaram-se intensas e produtivas para mim, resultando num conjunto de fotografias que documentam o trabalho a bordo do Rumo à Pesca. São seguidas por um conjunto de fotografias captadas numa manhã de nevoeiro no porto de Matosinhos em que acompanhei a tripulação durante o abastecimento de combustível e algumas reparações a bordo. Este momento, marcado pela antecipação do final da época da sardinha e pela notória escassez de peixe, reflete o desânimo dos pescadores que cansados de vários meses de trabalho, já só esperam pelo descanso pela paragem da pesca do cerco.
Com a conclusão da secção principal do livro, inteiramente dedicada à fotografia, abro um espaço para uma nova secção, impressa em papel distinto, onde desenvolvo uma outra narrativa. Desde que comecei a envolver-me neste tipo de projetos decidi incluir elementos que, complementando as fotografias, enriquecem o conteúdo informativo dos livros de fotografia. Esta parte inclui textos explicativos, desenhos técnicos do barco, retratos dos pescadores, um aprofundamento sobre a história do barco, e várias fotografias que interligam estes elementos. Esta narrativa adicional descreve o encerramento da temporada de pesca de 2020, o processo de fotografar os pescadores e a manutenção do barco nos estaleiros. Apresento também mais um texto, em que detalho a história do barco e, por extensão, da pesca do cerco, da qual o Rumo à Pesca faz parte.
Após as duas viagens, decidi aprofundar o lado humano, realizando um levantamento fotográfico detalhado de todos os membros da tripulação e dos trabalhadores de terra, no final de uma noite de trabalho, quando ainda estavam visivelmente marcados pelos sinais do trabalho no mar. Inicialmente, as tentativas, feitas logo após o retorno ao porto de Matosinhos, ao início do dia, foram desafiadoras devido à ansiedade dos trabalhadores em voltar para casa e à dificuldade em reunir a tripulação.
Adaptei o barco para servir como estúdio improvisado, enfrentando as limitações de espaço e o constante movimento a bordo. As primeiras fotografias, tiradas de perto, resultaram em retratos demasiado formais. Posteriormente, ao me distanciar, consegui captar melhor os detalhes do equipamento e vestuário, refletindo as personalidades de cada um. No entanto, continuava insatisfeito com os resultados e, com o fim da temporada de pesca da sardinha a aproximar-se, a tarefa tornou-se ainda mais desafiadora. A situação arrastou-se por semanas, complicada pela migração do peixe para o sul, levando o barco a operar noutros portos, até que, finalmente, um retorno inesperado ao porto da Póvoa de Varzim, no último dia de trabalho daquele ano, proporcionou a derradeira oportunidade. Com mais espaço em terra, e enquanto os trabalhadores puxavam a rede para o cais, consegui realizar um conjunto de retratos mais descontraídos e espero ter conseguido registar a essência de cada um destes homens após uma longa noite de trabalho.
A imagem do Rumo à Pesca a regressar ao porto de pesca da Póvoa de Varzim, os retratos dos pescadores, seguidos pelas fotografias do barco nos estaleiros de Vila do Conde, marcam o último capítulo da minha interação com o barco e os seus trabalhadores. Este foi também um período dedicado à recolha intensiva de informações e dados sobre a embarcação e os seus trabalhadores, proporcionando uma compreensão mais profunda e um encerramento enriquecedor para este livro.
Título:
Rumo à Pesca – um barco, duas vidas, uma história
Autoria:
Helder Luís
Edição e apoio institucional:
Câmara Municipal de Vila do Conde
Impressão:
NORPRINT
Distribuição:
Blue Book
Formato:
26 x 20 cm (a x l)
Páginas:
220
ISBN:
978-989-53003-8-9